UM ANO DE ODORES
GIESTAS
As giestas hão-de voltar, sei que sim, até podem demorar um pouco mais por causa dos frios, mas sei que estão dentro de si, protegidas, à espera dos seus dias. Primeiro os botões, duros, enrolados, depois o aroma orvalhado pela madrugada a entrar pelos campos fora numa correría que deixa doidos os mais novos. As giestas hão-de voltar sim, e o perfume delas há-de lembrar até chegarem sempre e todos os anos mesmo que tardem, hão-de voltar como tu hás-de regressar. Não importa quando, tão pouco importa se vens com o tempo das giestas, ou se as giestas se encolhem nesse dia e resolvem não aparecer mais. Mas tu vens, sei que me hás-de deixar doida como os tempos antigos em que as giestas eram do nosso tempo.
EU SOU DAQUI
As manhãs têm um perfume tão intenso. Deve ser porque estiveram toda a noite a descansar e quando acordam para o dia se exibem garbosas do seu cheiro caracteristico.
Aquela manhã não era diferente. Era o contraste de uma noite de essências misturadas entre o fabricado, o fumo de tabaco, os cheiros dos homens e das mulheres. À beira-mar, lisa de águas que havíam fugido para outro oceano restava o pico dolorido do iodo. Entrava pelas narinas sem pedir permissão, alagava-se pelos pulmões, sentía-se à vontade para trazer as recordações à luz do dia.
Ela ficou calada, deixou que o ar húmido lhe engelhasse o vestido de noite e os cabelos. Naquela manhã só interessava ver-se como criança a empilhar baldes de areia molhada e a construír castelos em que inventava princessas aflitas à espera que o cavaleiro a salvasse do dragão.
Inspirou longa, fortemente. Virou costas e trouxe no olfacto um bocadinho do que já fora.
MAGIAS
PRIMAVERA
MUNDO DE ODORES
Entrar sem autorização era o menos. O gosto que a fazía salivar eram os aromas -para ela intimos, secretos- daquele universo no masculino que a entontecía de tantas perguntas, uma curiosidade obssessiva, cheiro de homem, cheiros verticais chamava-lhe. Eram os couros do sofá, da pasta surrada, da agenda de bordos envelhecidos, do cognac dormente e fogoso, o aroma a cascas de árvore a saír da cigarreira, a cera adocicada da secretária macia no sitio onde pousam os braços da escrita, o lenço, a gravata, o roupão todos embebidos de uma alfazema macerada pelo odor do corpo, o perfume dos livros e ainda o das mãos ausentes nos instantes que ladra roubou ao mundo dele para encher o seu.
Fechou a porta devagarinho e saíu feliz.