MÁQUINAS DE CHEIRAR


A perfeição do olfacto.

A CHUVA TAMBÉM TEM CHEIRO



A chuva tem cheiro de terra viva, terra a crescer, terra a esconder verdes que hão-de depois amadurecer. Chuva madura, daquela tombada em contínuo fio, de bagas largas como poças, alagadas na mancha dos odores de enxofre. Chuva de choro, lembra-me crianças, cabelos molhados, cheiro de lã e pó-de-talco, de madeiras estaladas no lume de pinhas e caruma, chá de limão e mel. Chuva de cheiros, ramalhete de viagens pelo tempo.

PERFUMADAMENTE


Quero rosas, muitas, todas as rosas de tamanhos e feitios diferentes, quero-as todas, muito cheirosas, inebriar-me até corar do seu alcoól volátil que me pica nos sentidos, todos cinco, todas rosas variadas que me lembrem Primaveras, zumbidos, amores e delicias, rosas desfolhadas, rosas molhadas, já disse quero rosas. Desde que tragam o odor da tua mão.

O SEU A SEU DONO



E que tal um nariz destes para não perder pitada?


... Já imaginaram o tamanho dos lenços?

O SOL TAMBÉM TEM CHEIRO

O sol tem o perfume da vida. Do riso. De dias plenos na felicidade desejada. O sol cheira a mel. A rios de luz tostados até ao ponto de caramelo.

LENDAS



Será que com tanto nariz o Pinóquio só era um mentiroso?


Se sim, que desapontamento!


Hoje em dia pedir-lhe-íam polivalência, cheirar tudo, enfiar o nariz onde não sería chamado, sería imagem publicitária de uma marca de lenços de papel, faría de duplo do Depardieu. E quando a serventía tivesse fim à vista, a solução sería a correcção cirúgica...


Ai Pinóquio... De que vale mentir?!

O CHEIRO DO BEIJO


Ele sempre lhe dissera que os beijos tinham cheiro. Ela chamava-lhe tonto. Ele insistía, havía um cheiro especial nas bocas que se colavam no beijo, no rodar dos lábios levemente pressionados, levemente apertados, um hálito especifico que nomeava cada beijo como único, original. Ela ría-se.
Quando se despediram ele demorou os lábios nos dela, imprimiu todo o gosto da sua boca na dela, a pele húmida e quente colada à boca dela.
Não disseram nada nem levantaram a mão para acenar adeus.
Ela olhou a paisagem corrida do combóio, sentiu a saliva dele enxugar-se aos poucos na sua boca, na memória, no lembrar e nunca tão nitido e certo lhe pareceram os odores de um beijo último.

VARIAÇÕES SOBRE UM PERFUME

Sentir.
Deixar morder ao de leve, gentil, suavemente propagada. Invadir, penetrar, encher.
Sentir.
Envolver todo o corpo no invisível corpo do aroma, da cabeça até ao espirito, da matéria até ao tom, bom, engolir em golfadas aspiradas como mãos que acariciam rostos.
Sentir.
Cheiros.
Sabor de cheiros.
Degustação.
Levitação.
Sentir(-se).

MANCHA DE ODORES TEUS



Toco-te.
Tu não o sabes, não sentes a minha mão, já estás de costas partidas na ida, a roupa lenta a cobrir o que foi de dois, sumo de dois.
Deixo-te ir.
Toco-te.
No rasto quente e levemente orvalhado do lugar que deixaste a meu lado, tão só tu aqui resides, halo do teu suor, do teu hálito, do nosso amor.